Como
praticante de AIKIDO, há aproximadamente doze
anos. E como estudioso e incentivador de sua filosofia, não pude deixar de
fazer um paralelo dentro de um caráter especulativo, com a Arte Real. Não quero
aqui lançar comparações afirmando ou atestando algo, pois tal fato seria no
mínimo uma irresponsabilidade de minha parte e uma ofensa aos estudos
ritualísticos e da simbologia existentes. Sabedouro do esforço de cada irmão no
aprimoramento de seus conhecimentos sobre os símbolos e alegorias, e entendendo
que todos possuem conhecimento suficiente sobre o assunto que irei discorrer,
suprimirei a paralela visual comparativa, deixando somente que o traçado seja
visto pela curiosa leitura deixando-vos a vontade para as comparações que virão.
O
que transmitirei não é regra em toda academia de AIKIDO, pois cada professor
tem a liberdade de conduzir seus trabalhos de acordo com a necessidade que se
apresenta. Assim são possíveis termos diferentes modos de apresentação, saudação
e formas de treinamento dentro de cada associação, o que não pode mudar é a
essência fraternal existente dentro do DOJO (local de treino), que busca moldar
o caráter do praticante transformando-o em um ser melhor.
Irei
inicialmente fazer uma pequena introdução biográfica do fundador da arte,
O’Sensei Morihei Ueshiba, e logo após algumas comparações e explicações sobre a
arte como um todo.
Propositalmente
estarei suprimindo alguns estudos que são para a maioria, incompreensíveis, como
o KOTODAMA (a arte dos sons sagrados) o ZAZEN (que nada mais é do que sentar,
meditar, e entoar sons sagrados) e o trabalho de desenvolvimento do KI
(energia).
Sobre o
Fundador.
Morihei
Ueshiba nasceu em 14 de dezembro de 1883, em Tanabe, província de Wakayama,
Japão. Por volta dos sete anos foi enviado a um templo budista para aprender os
clássicos de Confúcio e as escrituras budistas. Na infância já teve o primeiro
contato com o Sumô e a natação. Começou seu treinamento marcial por volta de
1902 aprendendo os tradicionais Kenjutsu e ju-jutsu.
No Exército serviu no 37º Regimento da Quarta
Divisão de Osaka, e devido a sua grande honestidade, árduo trabalho e
habilidade com a baioneta, foi apelidado de “O Rei dos Soldados”. Em
reconhecimento à sua bravura no campo de batalha na guerra russo-japonesa foi
promovido ao posto de sargento. Durante o período militar continuou praticando
artes marciais ingressando no Dojo Masakatsu Nakai onde aprendeu o Yagyu-ryu
ju-jutsu na escola Gotô. Após o período militar praticou o estilo Kodokan de
Judô. Quando de sua estada em Hokkaido Morihei treinou intensamente com Sokaku
Takeda famoso mestre de Daito-Ryu ju-jutsu.
Por
volta de 1919 conheceu Onisaburo Deguchi, líder de uma nova e crescente
religião Omoto-Kyu que muito o influenciou espiritualmente. A partir desse
encontro e práticas meditativas posteriores, a arte marcial de Morihei começou
gradualmente a ter um caráter mais espiritual, originando assim o Aiki-bujutsu
mais conhecida pelo público como Ueshiba’ryu aiki-bujutsu.
Desenvolveu
o Sojutsu (técnicas com lanças) e praticou intensamente técnicas com espada e
ju-jujtsu. Por volta de 1925, com a clareza de que um dos princípios
filosóficos na qual sua arte baseava era a união de seu ser com o universo,
este entendeu ser melhor dar o nome a sua criação de Aiki-Budô, ao invés de
aiki-bujutsu.
Com
maior divulgação o Aiki-budô atraiu um grande número de praticantes.
Na
província de Iwama, Morihei iniciou por volta de 1944, o que ele chamou de
Ubuya (sala de nascimento), ou local secreto, sagrado do AIKIDO um complexo que
incluía um santuário aiki e um dojo ao ar livre.
Morihei
planejou, ele mesmo todas as disposições limites do Santário Aiki, seguindo os
princípios do Kotodama (arte dos sons sagrados). Por exemplo, o prédio
principal, o salão para orações, o torii (portal tradicional) e todo o traçado,
seguem a lei dos três princípios universais, isto é: o triângulo o círculo e o
quadrado, símbolos dos exercícios de respiração nos estudos do kotodama. Explicou
Morihei que quando o triângulo o círculo e o quadrado estão unidos em rotação
esférica o resultado é um estado de perfeita clareza (sumikiri), sendo esta a
base do AIKIDO.
Em
1960 recebe do Imperador Hirohito pelos seus trabalhos marciais o prêmio
Shijuhoshô. Somente três pessoas no mundo das artes marciais haviam conseguido
este feito. Em 1961 Morihei a convite, viajou aos Estados Unidos, declarando o
seguinte sobre sua viagem: “Vim ao Havai para construir uma “ponte prateada”.
Até hoje fiquei no Japão, construindo uma “ponte dourada” para unir o Japão,
mas, de agora em diante, meu desejo e construir uma ponte para ligar diferentes
países do mundo na harmonia e no amor contido no AIKIDO. Penso que o AIKI,
produto das artes marciais, pode unir todas as pessoas do mundo em harmonia, no
verdadeiro espírito do budô (caminho marcial), abraçando a todo o mundo em um
amor único e igual.”
Faleceu
pacificamente em 26 de abril de 1969, às 17:00 horas, no dia primeiro de maio
foi consagrada condecoração póstuma pelo imperador Hirohito. Suas cinzas foram
depositadas no cemitério de Tanabe, no templo da família Ueshiba.
Semelhanças
iniciais
A
palavra AIKIDO (合 気 道) é composta por
três kanji (ideogramas da escrita chinesa). O ideograma AI (合) Pode ser traduzido por amor, ou harmonia.
O
ideograma KI (気) representam as
energias que se manifestam de origem material e espiritual. Podendo ser
traduzido por energia ou espírito.
O
ideograma DO(道) designa o caminho,
a via, o TAO.
Em
resumo o AIKIDO é uma busca espiritual através da harmonia com as energias
vitais, ou simplesmente o caminho da harmonia.
Da
admissão em um Dojo.
Com
a divulgação e crescimento da arte, O’Sensei Morihei Ueshiba aceitava somente
os alunos que eram indicados. Assim sendo para que ocorresse a admissão de um
novo aluno no Dojo, este tinha que apresentar no mínimo duas cartas de
recomendação de alunos mais antigos (sempais), ou ilustres e mestres de áreas
diferentes no qual O’Sensei tinha ligação.
Da
Vestimenta.
O
HAKAMA é uma calça semelhante a uma saia usada por alguns praticantes de AIKIDO.
É uma peça tradicional do vestuário samurai.
O
GI normal (calça branca e blusa branca popularmente chamada de KIMONO) usado no
AIKIDO, assim como em outras artes marciais tais como o JUDO e o KARATE, era
originalmente dentro da tradição japonesa, roupas de baixo o que equivaleria ao
“pijama” ocidental. O uso do HAKAMA é parte da tradição de muitas escolas de AIKIDO.
Na maioria das associações de AIKIDO, o HAKAMA, só é permitido aos
faixas-pretas. O HAKAMA é um traje tradicional possuindo sete pregas, sendo
cinco na frente e duas atrás, e simbolizam as sete virtudes do BUDO.
Yuki: Coragem, Valor, Bravura.
Jin: Benevolência.
Gi: Honra ou Justiça.
Rei: Etiqueta, Cortesia.
Makoto: Sinceridade, Honestidade, Realidade.
Chugi: Lealdade, Fidelidade, Devoção.
Meiyo: Credibilidade, Glória, Reputação, Dignidade,
Prestígio.
Da
entrada na sala de treino.
Os
alunos se postam seguindo a ordem de graduação, sendo que tomando por base a
posição do Sensei, que estará voltado para os alunos, os mais antigos ficarão à
sua esquerda, os mais novos à sua frente.
Para
o início das aulas é feito uma saudação a todos os presentes pelo Sensei, logo
após é feito uma saudação ao O’Sensei como forma de agradecimento, e finalizando
é feito nova saudação à todos os presentes.
Disposição
do dojo.
Entra-se
no dojo pelo lado oposto do kamiza no lado do shimoza. Se nós estabelecermos
que o kamiza está no norte, logo o shimoza estará no sul. De acordo com a
cosmologia taoista, o sul está associado ao Fogo e a etiqueta e ao intelecto
(talvez porque na China as paredes com face sul sejam as mais ensolaradas,
contrariamente ao que ocorre no Brasil). É o desejo consciente, racional de
aprender que faz as pessoas entrarem no dojo, e ao mesmo tempo e exatamente
neste ponto que devemos deixar o intelecto de lado e nos voltarmos para o
interior, o mundo dos Deuses. Enquanto os iniciantes chegarem ao Shimoza com
preconceitos e ideias erradas, estarão longe de conseguirem receber os
ensinamentos que o sensei e o dojo podem oferecer. Eles necessitam aprender a
“pensar” e agir de forma intuitiva, mais visceral. Exatamente no Shimoza que o
aluno começa a aprender a etiqueta e as boas maneiras para que haja uma mudança
espiritual do praticante, interiormente se liberando do egoísmo e desenvolvendo
a empatia e respeito pelas outras pessoas.
O
Jozeki fica do lado direito do dojo, a leste, e no circulo taoista corresponde
a madeira, envolvendo o cultivo da virtude e da compaixão. Nele ficam os alunos
mais graduados e experientes, e às vezes o próprio sensei, principalmente
quando vem ao dojo, mestres de nível mais alto. Lá nesta posição hierárquica
mais alta os alunos mais graduados tomam consciência de suas responsabilidades
com a preservação futura do dojo, sabendo que lhes cabe grande parcela em dar o
exemplo e ajudar no ensino dos mais jovens para que ela sendo praticada por
futuras gerações de alunos e praticantes avançados a arte evolua e sobreviva,
bem como a escola a que pertencem e têm lealdade. Em um Dojo tradicional o
Jozeki deve ser muito mais um local de responsabilidade do que de honra para
mostrar a todos a posição elevada dos praticantes mais antigos.
Do
lado norte fica o Kamiza que os taoistas associam ao elemento água, que
enfatiza a sagacidade e é lá onde está o local mais elevado onde as divindades
se localizam simbolizadas pelo quadro do fundador. Independente da religião que
o cada praticante tenha, o Kamiza é o centro do dojo. O kamiza bem cuidado e
tratado com respeito certamente contribui de forma significativa para manter o
moral elevado do dojo. O lado esquerdo do Dojo é o Shimozeki que está associado
ao elemento metal e tem a característica do caráter correto e digno. É no
shimozeki que os novos alunos concentram suas atividades e onde estão as
sementes para o futuro do dojo e sua renovação natural. Grandes mestres poderão
estar no meio dos faixas brancas, aparentemente desengonçados em seus
movimentos iniciais. A qualidade primordial que os iniciantes devem ter é o
comportamento e o caráter correto, e a vontade de colaborar, de treinar e de
seguir o mestre em seus ensinamentos e conselhos dos Sempais (alunos mais
antigos). Eles devem acreditar que os mais experientes e o Sensei querem o
melhor para eles sob todos os pontos de vista, como querem para si mesmos. O Shimozeki
é tão importante quanto o Jozeki, pois um depende do outro, não existe Sempai
(aluno mais antigo) se não houver Kohai (aluno mais novo). Os Sempai estão sempre
sendo observados pelos Kohai, verificando os elevados propósitos técnicos e
espirituais que eles ao ingressar, decidiram adquirir, e neste sentido eles
acabam exigindo um comportamento conveniente e elevado que os ajuda a progredir
mantendo o espírito de Shoshim (busca de aperfeiçoamento constante). O Shimozeki
onde estão aqueles dos quais se exige comportamento ético e reto, fiscalizam se
os Sempai estão exigindo deles coisas que eles mesmos não estão fazendo, e se
estão agindo de forma modesta, e não arrogante como devem ser, guiados pelos
elevados padrões propostos pelo Sensei.
O
treinamento.
Para
que o aluno desenvolva a técnica, faz se necessário à participação de um
parceiro de treino, o que chamamos de UKE. Entendendo esta questão, fica implantada
na mente do praticante, a necessidade de sermos gentis e educados com o nosso
parceiro de treino, demonstrando que somos responsáveis pela integridade física
dele e por consequente à nossa própria integridade física, se não houver o
respeito, a amizade sincera, logo não terei um parceiro para poder desenvolver
minhas habilidades.
Neste
momento os amigos poderão questionar: “ora, em toda arte marcial existe o
parceiro de treino, então o que diferencia o AIKIDO?”. A resposta é simples, no
AIKIDO não há competição, assim sendo, o estimulo de VENCER O OPONENTE A TODO
CUSTO é diminuído e substituído pelo VENCER A SÍ PROPRIO, com esta
busca e este olhar interior estaremos a partir daí crescendo na arte.
Há
uma máxima existente dentro do AIKIDO, que diz: Como alguém pode pregar a
harmonia com uma espada na mão? Novamente aqui entra uma questão de
entendimento sobre o trabalho desenvolvido dentro do DOJO, a harmonia está
ligada ao desenvolvimento inter e intrapessoal, ou seja, o desenvolvimento relacional
de si mesmo e o desenvolvimento relacional com seus semelhantes. O bom
praticante deve ser capaz de aplicar a técnica protegendo a si e ao oponente
dele mesmo, por isso o AIKIDO é a harmonia em movimento.
Símbolos mais
empregados no AIKIDO.
O’Sensei
Morihei Ueshiba, para explicar o AIKIDO, ele o fazia através de alguns símbolos
dentre os quais, o TRIÂNGULO, O QUADRADO E O CÍRCULO. O’Sensei dizia que o AIKI
era uma montagem dos símbolos citados, e dizia que: “ o TRIÂNGULO é a raiz
destes elementos. Isto porque o CIRCULO é a forma circular (o corpo em
movimento) do triângulo e o QUADRADO são dois opostos juntos (num estado de
controle).”
Para
O’Sensei os símbolos tinham o seguinte paralelo:
Triângulo: Corpo, centro, do interior para o exterior, de
baixo para cima.
Circulo: Espaço, estado de alerta, sentir, ligações, a não resistência.
Quadrado: gravidade, estabilidade, equilíbrio, impulso.
O
triângulo, círculo e o quadrado também representam missão, vida e destino, sendo
espelhado na técnica do AIKIDO.
O
triângulo é a missão da pessoa, que é mais como uma direção na vida. É similar
a posição inicial (hanmi) e o movimento de avanço (irimi) de uma técnica de AIKIDO.
O
círculo é a vida da pessoa o movimento dinâmico das energias, vistas no AIKIDO
como os movimentos espirais da técnica.
O
quadrado representa o destino o resultado da vida da pessoa, bem como o final
da técnica do AIKIDO, a imobilização (osae waza).
Do
encerramento do treinamento.
Todos
se postam como no início do treinamento, é feito um agradecimento pelo Sensei
dentro da forma ritualística, e quando da retirada do dojo, todos os alunos
esperam a saída do Sensei da área de treinamento, para depois se levantarem e
se retirarem.
Meus
amigos, essas são apenas algumas considerações sobre a arte, mas acredito que
já tenha conseguido parcialmente, atingir o objetivo proposto. Não pretendo dar
o assunto por encerrado, pois tal possui uma enorme riqueza. Assim agradeço a
Deus pelo dom da vida e por todas as graças que tenho recebido, aos autores que
li, por aumentarem o meu parco e limitado conhecimento, agradeço a todos que participam
de minha jornada, dando significado a esta. Um especial abraço àqueles que
junto comigo, trilham ou trilharam este caminho marcial, em especial ao Fred,
ao Marcelinho, e ao Vivaldo, antecipando escusas àqueles dos quais não citei.
Um
fraternal abraço.
Weslley Marcelo Massako Negre. C.'.M.'.
2º Dan AIKIDO.